Janeiro 2023 Entrevista | Projeto Link: aliar investigação ao empreendedorismo

Luís Gomes é docente e investigador no Politécnico de Setúbal e, desde cedo, tem-se dedicado em transformar o conhecimento que investiga em transferência para a sociedade.

Com o projeto LINK – que tem por base o conhecimento gerado pelo projeto de investigação SPLIT – tem experienciado a importância de aliar o negócio e o empreendedorismo ao seu percurso pelo Ensino Superior.

Desde setembro de 2021, tem desenvolvido esta solução que atua no ramo da saúde digital, em conjunto com uma equipa de pesquisadores e clínicos. A IPStartUp entrevistou o jovem investigador para conhecer melhor o seu percurso pelo mundo de negócios.

Qual a origem do projeto Link e como surgiu a escolha do nome?

Nasceu do envolvimento direto dos mentores da IPStartUp, numa perspetiva de tentar interligar o empreendedorismo ao conjunto de investigação por nós desenvolvido. A partir desse momento, percebemos que conhecimento que tínhamos não podia ficar apenas pelos papers que desenvolvíamos, pelas teses de mestrado.

Éramos completamente naïves a toda a área de negócio, por isso o desafio foi mesmo sentir que tínhamos um trabalho científico bem sustentado, mas que continuava a ter pouca transferência e pouco impacto no mundo real. Por isso, começámos a nossa jornada pela IPStartUp, desenvolvendo o nosso modelo de negócio.

O nome surge desta necessidade de transferir conhecimento científico para fora do meio académico. Está estudado que existe um gap de cerca de 17 anos entre o trabalho que desenvolvemos na academia até ao alcance da sociedade no seu geral e a sua aplicabilidade.

O Link surge na perspetiva de tentar ligar estes dois mundos, a academia e os contextos clínicos – como centros de saúde e clínicas que tratam pacientes no dia a dia. Sentimos que, através do Link, trabalhamos em conjunto.

A que necessidade procuraram responder e qual é o carácter diferenciador do Link?

O que observamos hoje em dia, enquanto profissionais de saúde, é que estamos num patamar muito bom a desenvolver e melhorar as condições de vida de doenças com uma alta taxa de mortalidade, mas depois os utentes que enfrentam essas doenças ficam muito expostos às incapacidades ou sequelas de doenças mais graves ou mesmo incapacidades provocadas por aquelas que são as doenças mais comuns, como as condições musculoesqueléticas, lombalgias, osteoartroses.

Esta incapacidade provoca um grande impacto a nível económico, quer seja nos custos diretos como no consumo de recursos de centros de saúde - consultas, medicação, exames e tratamentos -. Existe, em simultâneo, uma elevada taxa de reformas antecipadas nesta população, porque esta condicionante tem um impacto também na produtividade e na capacidade de permanecer num posto de trabalho.

Estima-se que, em 2100, o número de pessoas com mais de 85 anos dispare para mais de 600%. Se estas doenças afetam tanto e existe uma prevalência cada vez maior, sabemos que vai haver um número significativo de pessoas que necessitem da nossa ajuda. Os cuidados de saúde para estas pessoas continuam a ter uma baixa qualidade. Então, existe aqui um problema que é preciso resolver.

Tendo em conta a investigação anterior, desenvolvemos um modelo que permite melhorar as condições dos cuidados de saúde prestados a estas pessoas, comparativamente à prática normalmente oferecida. A ideia é tentar levar este programa para essa grande fatia da população. É aqui que entra a tecnologia como facilitador para exponenciar a capacidade de resposta e aumentar a eficiência dos cuidados.

A Link é uma solução de saúde digital que visa prevenir a incapacidade e promover a saúde musculoesquelética e física da população. Queremos ter uma solução efetiva, mas também que possa ter um impacto no mundo real.

Como foi feito o processo de aliar a investigação ao empreendedorismo?

Ainda está a ser feito e esse é o principal desafio. Enquanto investigadores, estamos muito preocupados em desenvolver outputs científicos e todo o mindset empreendedor é algo que requer de nós um esforço para conseguirmos lá chegar.

Por isso, tem sido feito com o apoio direto da IPStartUp e sabemos que é algo que pode ser exponenciado quanto mais nos expusermos a estas experiências, como o Hackathon da EUDRES, em que estivemos como challenge owners a promover esse tipo de pensamento. Desta aprendizagem, levamos muito para o futuro da nossa investigação. Ou até, por exemplo, com a nossa passagem pelo BfK Ideas, que nos obrigam a sair da nossa zona de conforto e tentar vender um produto no qual nunca tínhamos pensado nesta faceta de negócio.

Qual o principal obstáculo quando se tenta aliar a investigação ao empreendedorismo?

É preciso pensarmos no negócio como uma prioridade e colocá-lo na agenda para que lhe dediquemos o tempo que merece, o conciliar de tempo é um desafio. Depois, é esta falta de mindset. Se quando fui estudante, tivesse sido exposto a este modo de ver a ciência, talvez estivesse mais preparado para perspetivar uma forma de transferir a investigação para os meus utentes e para o meu contexto.

E, por último, ainda há muito trabalho a realizar quando falamos em interligar pessoas de diferentes áreas, que é algo que a IPStartUp estimula muito nos eventos que faz. Entender que uma pessoa de marketing ou de tecnologia tem muito a acrescentar a uma ideia do ramo de saúde é fulcral.

Qual a importância de receber esse feedback de outros?

É algo crucial. Eu sou muito crítico na academia, mas também nas novas startups, quando ficamos apenas presos às nossas ideias e longe do que é a necessidade real. Podemos estar tão empenhados numa investigação que nos leve de projeto a projeto, mas o produto final ser algo que tem pouco de transferível para a sociedade, quando não o fazemos.

Não adianta pensarmos em desenvolver um projeto megalómano, em que dedicamos muito tempo e esforço, que não absorve depois conhecimento das pessoas que nos rodeiam e perde o seu potencial de implementação. Isto muda todo o paradigma da nossa investigação.

O que destacam da vossa participação no BfK Ideas?

Na primeira reunião com a pessoa responsável do concurso, eu expus logo todas as minhas preocupações com a participação e com a transferência do projeto para o mundo real. Foi nessa partilha que eu percebi realmente o objetivo do concurso: alcançar conhecimento vindo da academia e tentar perceber como ele pode ser aplicado para ideias de negócio. Ligava-se perfeitamente com o nosso percurso pela IPStartUp.

Numa das sessões, com todos os participantes, aprendemos a arte do pitch para o momento final no Porto. Todo este processo foi muito rico em termos de aprendizagem, especialmente porque nos obrigou a sair da nossa zona de conforto e a pensar na investigação que fazemos com a necessidade de caracterizar bem o problema e o impacto do negócio. A nossa ideia não é estanque, queremos tentar absorver o máximo de conhecimento de feedback das pessoas envolvidas para sairmos de lá com uma ideia mais robusta.

Um dos pensamentos partilhados por um dos responsáveis é de que a investigação é a transformação de investimento em conhecimento, enquanto que a inovação é a transformação do conhecimento em dinheiro. Isso significa que podemos estar preocupados a pensar no financiamento ou na ausência dele para a nossa investigação, mas depois carece muito de pensamento a forma como podemos transformar o conhecimento em valor para a sociedade. Isso foi algo muito enriquecedor.

Que balanço fazem de toda a evolução que o projeto tem encontrado?

Costumo dizer que o que custa é começar. A partir daí, todo o percurso permite melhorar e aprimorar a ideia. Temos algo que a maior parte das ideias de negócio não têm, que é a base académica e validação científica. Como tal, o adaptar desta validação científica é sempre o foco da ideia que temos vindo a desenvolver.

O pensar em como podemos adaptar esta validação científica juntando as necessidades do mercado é algo que só se aprende com o feedback das pessoas que estão no mercado ou na área do negócio e que nos direcionam automaticamente.

Que ambições futuras têm?

A ambição principal é desenvolver uma solução, na qual possamos começar pela validação científica, aliando-a logo à transferência para o mercado. Estamos numa fase de, com o feedback recebido, entender o que podemos melhorar e pensar no novo modelo de negócios.

Queremos começar a partilhar estas ideias junto dos nossos estudantes, para que eles possam ter este mindset futuro de inovação e empreendedorismo, de uma utilização mais profícua do conhecimento que têm.

Como se constrói essa cultura empreendedora junto dos estudantes?

Está a ser desenvolvido nessa perspetiva de tentar despertar o interesse no empreendedorismo. Acho que o essencial passa por disseminar mais o que tem sido feito em termos de investigação e empreendedorismo e estimular este espírito colaborativo entre pessoas diferentes, ao olhar para um problema comum. É um trabalho que pode ser feito através de uma estrutura que possa chegar aos estudantes de forma mais ativa, mais próximo dos estudantes e dos docentes.

Quando despertos para a inovação, num ambiente colaborativo, podem nascer ideias com um potencial muito grande. Na academia, com uma gama tão larga de cursos e saberes diferentes, o contributo de pessoas diferentes, por mais mínimo que seja o acrescento, dá muito potencial para desenvolver essas ideias com impacto real. É importante não ter medo de ir buscar pessoas de tecnologias, de educação para trabalhar o mesmo problema.

Lá fora, as pessoas também são muito diferentes. Se prepararmos logo, desde aqui, ideias que nascem nesse ambiente colaborativo, serão mais capazes de ter um impacto maior no mundo real.